O Complexo do Iscte teve o seu início com a construção, em 1976, do Iscte I, segundo projeto dos arquitetos Raúl Hestnes Ferreira e Rodrigo Rau. Sem qualquer intenção programática inicial, Raúl Hestnes Ferreira foi também responsável pelo desenho dos três edifícios que se seguiram – Ala Autónoma, INDEG e Iscte II / ICS -, no que se tornou num caso singular de evolução e conceção de um campus universitário em Portugal. Com total liberdade criativa, o arquiteto soube dar aos edifícios, concebidos cada um a seu tempo ao longo de trinta anos, uma identidade própria e distintiva, que valorizou muito significativamente o campus.
Esta diversidade formal não deixou de ter presente, no entanto, um princípio de unidade. De facto, na ausência de um plano para a expansão da instituição, a localização e caracterização de cada edifício do conjunto processou-se em função dos programas, áreas de implantação e meios disponíveis, tendo em conta as exigências da instituição e a época da execução de cada projeto, havendo, no entanto, dados básicos que presidiram a essa conceção, apoiados na forma construtiva em que foi dominante a utilização do betão armado. De igual modo, e à imagem do Iscte I, cujo crescimento foi gerador de um primeiro pátio, ponto de encontro de alunos e professores, também os edifícios que se lhe seguiram definiram um novo espaço livre, a Praça Central, um novo lugar geográfico, para convívio ao ar livre, aberto à cidade.
O Complexo do Iscte (acrónimo de Instituto Superior de Ciências do Trabalho e de Empresa) desenvolveu-se depois de 25 de Abril de 1974, através da construção do edifício do Iscte I, na área da Cidade Universitária de Lisboa, onde o regime da ditadura, após as “crises académicas” dos anos de 60, não autorizara qualquer nova edificação.
Ao interpretar o reduzido programa de espaços definido para iniciar a construção do Iscte, como projetistas cientes das carências que poderiam ocorrer com a futura expansão da instituição, propusemos que o edifício se pudesse posteriormente expandir, através dum volume quadrangular de conceção clássica, em torno de um pátio central, em que a primeira Ala, a poente, corresponderia ao programa inicial e as restantes, em planta livre, às futuras áreas de expansão.
Dado que o crescimento da instituição, pelo seu dinamismo, decorreu a um ritmo difícil de antecipar, em alguns anos o volume inicialmente programado, estava concluído e ocupado. As exigências motivadas pelo crescimento do Iscte, pela abertura de novos cursos, que lhe conferiram a polivalência de uma Universidade, e pelo desdobramento em, ou a agregação de instituições autónomas tendo por finalidade a investigação e a formação de pós-graduação, conduziram à posterior construção de três novos edifícios, de acordo com exigências e programas definidos ao longo do tempo.
No entanto, enquanto não foi possível programar a edificação dos novos corpos que permitissem suprir às necessidades continuamente detetadas, procedeu-se à construção, no perímetro do Iscte I, de novas áreas para atenuar as dificuldades de espaço sentidas.
Dadas as limitações dos espaços atribuídos aos estudantes, concebeu-se, integrado no pátio central, o Pavilhão Esplanada como área de trabalho e convívio estudantil. Foi também possível aproveitar uma cave soterrada para a instalação de novas áreas desafogadas, com luz natural, destinadas a zonas de informática.
Constatou-se assim a situação, não muito corrente, dum complexo de edificações do ensino superior concebidas sob a responsabilidade dum mesmo arquiteto ao longo de cerca de 30 anos, acompanhando o crescimento duma instituição sem um Plano ordenador, dado que a própria disponibilidade dos terrenos envolventes estava condicionada por outras entidades.
O Iscte I, como projeto fundador do Complexo, é ainda a sua principal referência, a partir do qual todos os outros se implantaram, constituindo um núcleo cuja estabilidade e neutralidade compositiva decorreu da aptidão para integrar tipos de ocupação variados, enquanto os edifícios posteriores, mais expressivos e de maior clareza formal, se inspiraram numa definição programática mais rigorosa.
E o conceito que inicialmente presidiu à conceção clássica de um edifício centrado num espaço livre, que é o polo central do edifício do Iscte I, acabou por ser transposto de um modo subjetivo, pedra a pedra no decurso da ampliação do complexo, para a conceção da Praça Central do Iscte, um espaço público que focaliza os vários edifícios entretanto construídos.
Praça Central
Com o edifício do Iscte II / ICS completou-se o Complexo do Iscte, definindo-se um espaço livre central que, conforme referimos, foi sendo configurado pelos corpos que nele convergiram ao longo do crescimento da instituição, surgindo no final como a Praça Central do Iscte, lugar geográfico e ponto de encontro e de convívio ao ar livre.
A Praça Central do Iscte encontra-se ladeada pelos vários edifícios do conjunto, desde o alçado nascente do Iscte I que, afinal, veio a definir o seu alinhamento, até ao alçado norte da Ala Autónoma, com as grandes aberturas que permitem a sua visualização desde o percurso das rampas, ao alçado poente do corpo prismático norte, do INDEG e até, por último, à fachada sul do Iscte II, em que a cobertura do Auditório principal se transformou num terraço onde se situará uma esplanada.
Acentue-se a singularidade da ausência dum Plano Diretor que orientasse o crescimento desta instituição, cuja evolução foi desde o início e em cada uma das fases da sua expansão, desconhecida, ignorando-se qual a importância que viria a adquirir no contexto do ensino universitário do nosso país. Tal não impediu, no entanto, que este espaço exterior se concretizasse dum modo harmónico, segundo o alinhamento inicialmente definido pelo Iscte I e posteriormente seguido pelos restantes edifícios.
Assim, um espaço que poderia ter sido gerador do crescimento do Complexo, acabou por ser por ele gerado…
Nessa perspetiva, não nos podemos alhear de alguns fatores que presidiram à conceção final desta Praça, um dos quais dirá respeito à importância sempre atribuída à relação “espaço livre – espaço edificado”, já consubstanciada na estrutura espacial do primeiro edifício, o do Iscte I, em que a relação do espaço – anfiteatro central ao ar livre, com a envolvente construída, definia já a importância que lhe era atribuída.
A própria preservação dum prado existente a sul do Iscte I e a poente da Ala Autónoma, reforçava o critério de fazer alternar o espaço livre com o espaço edificado, sem prejuízo da estruturação deste último. Acentue-se, no entanto, que a disciplina de desenho presente na estruturação da Ala Autónoma e do INDEG, sem pôr em causa a autonomia conceptual destes edifícios, permitiu que, quási inconscientemente, se valorizasse o espaço exterior central do Complexo que a pouco e pouco se ia definindo.
Foi, no entanto, o último edifício, do Iscte II / ICS que, inesperadamente, veio permitir a consolidação, ao fim de cerca de 25 anos, dum espaço central que é raro existir nas áreas universitárias do nosso país.
Texto em ‘ver mais’ retirado de Raúl Hestnes Ferreira, Arquitectura e Universidade – Iscte, Lisboa, 1972-2005 (aceder doc).
PUBLICAÇÕES, ARTIGOS, DISSERTAÇÕES E TESES
Efémero brutalismo: o caso do Iscte (1976-2016) (aceder doc)
Tipo de Documento: Dissertação de mestrado. Idioma: Português. Origem: Repositório do Iscte-IUL.
Autor: Margarida Batista Ramos Mascarenhas de Carvalho. Data: 2016.
Influência de Louis I. Kahn na obra de Hestnes Ferreira (aceder doc)
Tipo de Documento: Tese de doutoramento. Idioma: Português. Origem: Universidade da Coruña.
Autor: Alexandra Saraiva. Data: 2011.
Raúl Hestnes Ferreira, Arquitectura e Universidade – Iscte, Lisboa, 1972-2005 (aceder doc)
Autores: Bernardo Pizarro Miranda, Maria Helena Granado Teixeira, Teresa Maria das Neves Santos. Coedição Iscte e Librus – Publicações Técnicas, Lisboa. 196pp. Data: 2006.
Imagens © Fundação Marques da Silva, Arquivo Raúl Hestnes Ferreira
No banner: Praça Central, Vista dos edifícios Iscte I (1976-1978) e ligação ao Iscte II/ICS (1993-2002), Ala Autónoma (1989-1995). Nº de registo: PT/FIMS/RHF/0245-fotoIscte1 001.
No texto: Praça Central, Edifício Iscte II/ICS (1993-2002). Nº de registo: PT/FIMS/RHF/0245-foto5.1 005.